Muito antes das escolas de samba - Diário de Sorocaba
- maaatheusgomes
- 7 de fev. de 2016
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Tradição nacional, o carnaval é uma festa que também está ligada à História de Sorocaba. Trazida pelos Bandeirantes, a folia, antes de se tornar evento de escola de samba e bloco de rua, era um festejo do povo mais pobre da cidade, irreverente e até mesmo violenta . Marcada guerras nas vias públicas, bailes e desfiles excêntricos, o carnaval evoluiu junto com o município.
Antes chamado de entrudo, o carnaval veio para o País com os colonizadores. De acordo com o pesquisador José Rubens Incao, a festa constituía-se basicamente em atirar água uns nos outros.“Como em fevereiro era época de chuvas de verão, o povo enchia barris de água dessa chuva e jogava em quem passava na rua”, conta.
O entrudo acontecia na véspera do início Quaresma – período de penitência e oração de 40 dias em preparação para a Páscoa - e era predominantemente marcada pela inversão social e pelo divertido caos que provocava nas cidades. “Fosse um padre, uma senhora, quem passasse na frente, o povo virava dentro do barril. Como na época não havia saneamento básico, as pessoas jogavam muita água suja. Era uma festa muito violenta, dava muita briga”, explica Incao.
Segundo o pesquisador, em Sorocaba, a festa era uma temeridade e foi responsável pela criação de uma das primeiras leis que garantia cadeia na cidade. “Umas das primeiras leis proibia entrudo, carnaval, baile, festa, batuque, tudo. Mas, independente disso, as festas continuavam.”
Em 1907, um edital do delegado de polícia da época, Eduardo Paes de Barros, fazia-se saber que era “expressamente proibido o jogo de entrudo, neste município, antes e durante os três dias de Carnaval”. A publicação ainda alertava que nenhum tipo de cortejo carnavalesco ou indivíduo mascarado poderia sair às ruas sem licença da polícia.
Em fevereiro de 1992, o escritor e intelectual, Rogich Vieira, destacou em um artigo que os confetes já eram conhecidos, encontrando-se muitos anúncios que o propagavam, mas as serpentinas e o lança-’perfume, se fossem conhecidos até essa data, ainda não tinham sido noticiados.
Socialmente reprimidas, as mulheres e meninas viam no carnaval uma forma de se divertirem e se libertarem. Como não podiam namorar, elas preparavam as chamadas laranjinhas de cheiro, que eram feitas com cera de abelha e perfume. “Elas jogavam nos homens, que gostavam, com a ideia que de o cheiro do perfume os fizessem lembrar-se delas”, salienta Incao. Entretanto, caso o homem não agradasse, outra laranjinha, essa com água suja, já estava à disposição para ser tacada.
Rogich Vieira conta em seu artigo que o entrudo era “tão violento que muita gente preferia não sair às ruas nos dias carnavalescos, evitando assim, banhos que poderiam resultar em resfriados ou, até mesmo, em tuberculose, doença então incurável”. Incao ainda ressalta que, no carnaval, o descontrole era tanto que os ônibus tinham de andar com as janelas fechadas porque o povo jogava ovos e farinha dentro deles.
Uma festa com histórico de extrema participação das classes mais pobres, as fantasias carnavalescas não eram muito elaboradas. Incao conta que muitas eram feitas com panos velhos, comprados em fábricas têxteis e costurados pelos próprios foliões. “Era o que eles tinham, ou seja, roupa barata que compravam nas fábricas. Faziam as fantasias e iam com os blocos brincar na rua.” O resultado da fantasia, segundo o pesquisador, não era muito claro. “Ficavam parecendo fantasminhas coloridos.”
MÚSICA E MARCHINHAS - José Rubens Incao explica que, entre os séculos XIX e XX, as músicas que se destacavam eram principalmente as marchas ranchos. Músicas com um ritmo mais calmo, que, segundo ele, acompanha o caminhar do cortejo. “Uma que fez muito sucesso era uma marcha rancho do Adoniran Barbosa e do Marcos César chamada ‘Vila Esperança’.”Em Sorocaba, as marchinhas , como “Ó Abra Alas”, de Chiquinha Gonzaga, faziam muito sucesso.
“Também teve marchinhas muitos famosas feitas por sorocabanos, não veiculadas nas escolas de samba, mas que pegaram”, afirma o pesquisador. Ele destaca, ainda, que as escolas de samba começaram a surgir na cidade por volta da década de 50, mas, mesmo assim, os bailes mantiveram-se em alta até boa parte dos anos 70, em que disputavam decoradores de fora e eram “animadíssimos”.
BAILES DO SÉCULO XIX - O período áureo dos bailes carnavalescos em clubes de Sorocaba começou no fim do século XIX. O Teatro São Rafael, onde atualmente funciona a Fundação de Desenvolvimento Cultural (Fundec) e já foi sede da Prefeitura de Sorocaba, na Rua Brigadeiro Tobias, no Centro, já foi palco de muitas folias sorocabanas. Em artigo publicado na Revista do Instituto Geográfico e Genealógico de Sorocaba, Rogich Vieira descreve como eram esses bailes.
Hoje, marcado principalmente na Região Sudeste pelo samba, os carnavais da época eram diferentes. “A banda tocava todas as espécies de músicas populares, como quadrilhas, valsas, xótis, polcas e diversas outras, todas dançadas com momices, mas sempre no maior respeito possível.”
A tentativa de autocontrole nos excessos dos foliões, no entanto, tinha motivo. “Qualquer deslize, qualquer atitude menos moralista, ali estava, no camarote de primeira ordem, à direita do palco, o delegado de polícia, a vigiar, pronto a tomar atitudes drásticas ante a falta cometida pelos foliões”, relata Vieira em seu artigo.
Na noite de terça-feira, quando se encerrava o baile, à meia-noite, a orquestra despedia-se do carnaval tocando uma marcha fúnebre, que era acompanhada por um choro cômico dos foliões, que se despediam da festa já esperando pela próxima.
Outro baile muito famoso na época funcionava num sobradão, localizado na esquina da Rua São Bento com a Santa Clara, também no Centro, onde hoje funciona uma agência bancária. Promovido pelo empresário carnavalesco Benedito Abade, a festa contava com uma grande estratégia de divulgação. “Um mês antes, saía às ruas um préstito carnavalesco, composto de mascarados, com rosto pintado de preto, recoberto de lençóis brancos, todos eles portando tochas acesas.”
O cortejo era liderado por um formidável Zé Pereira, que fazia a festa dos sorocabanos com seus instrumentos de percussão, algo muito próximo das baterias de escolas de samba de hoje. Na semana que antecedia o carnaval, o desfile era diário e atraia o povo sorocabano às ruas para apreciar o cortejo.
CLUBE AIMORÉS – Idealizado por um grupo de jovens, entre eles Hércules Tavares de Campos, fundou-se o Clube Aimorés. Com todas as burocracias legais feitas, o clube tinha o único e principal objetivo, brincar o carnaval. “Juntava-se dinheiro, como nos outros eventos, o ano todo para isso, para no carnaval eles contratarem um decorador de fora”, explica Incao. Sobre o impacto da abertura do clube, o artigo de Rogich traz detalhes sobra a forma como a sociedade da época recebeu a notícia. “A burguesia moralista da época, quando soube a finalidade do clube, arrepiou-se toda."
De acordo com o escritor, até seu pai, que, segundo ele, não era uma “pessoa de espírito retrógrado” espantava-se com o clube. “Ele nos disse que esse clube fora criado para folia, e; quando ele dizia folia, queria dizer folia mesmo, das piores imagináveis”, conta em seu artigo.
Apesar da oposição encontrada, o Clube Aimorés foi inaugurado no dia 29 de julho de 1896, dia de São Pedro. No primeiro Carnaval do Clube, em 1897, foi considerado apenas como um ensaio, apesar de ter chamado muito a atenção na época. Já a segunda festa, em 1898, foi retumbante, como descreve Vieira, que ainda conta que a grandiosidade do desfile atraiu jornais paulista e cariocas.
Entre as excentricidades do desfile daquele ano, houve mais de 10 pomposos carros alegóricos, que dividiam espaço com carros críticos que denunciavam, com muita irreverência, temas como luz elétrica, limpeza pública, venda de bilhetes de loteria e as eleições municipais.
Em 1901, apesar da crise causada pela Febre Amarela no interior, o Clube Aimorés conseguiu colocar na rua um desfile de 11 carros, que criticaram, entre outras coisas, o calor, a crise econômica e a morte da Liga Operária. Devido a brigas internas, o Clube incorporou-se ao Clube Recreativo Familiar e, em 1928, reuniu-se com o Clube União, formando o Clube União Recreativo.
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