Raul Marcelo planeja governo em meio a cenário de crise econômica - Diário de Sorocaba
- maaatheusgomes
- 30 de set. de 2016
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Foto: Fernando Rezende
O candidato do PSOL, Raul Marcelo, fecha nesta sexta-feira (30) a série de entrevistas do DIÁRIO com os concorrentes ao cargo de prefeito de Sorocaba. Desde o último sábado (24), o DIÁRIO tem publicado entrevistas com os postulantes de acordo com o critério que segue a ordem do número de urna de cada um. Assim, já foram publicadas as entrevistas com Hélio Godoy (PRB), número 10; Gláuber Piva (PT), 13; José Crespo (DEM), 25; e João Leandro (PSDB), 45.
Raul Marcelo, 37 anos, é natural de São Pedro do Turvo (SP) e veio com cinco anos de idade para Sorocaba, onde morou em bairros como Parada do Alto, Barcelona, Vila Almeida e Jardim São Conrado. Durante a juventude, compôs uma banda e iniciou seu interesse por política acompanhando o movimento "Fora Collor".
Formado em Letras e trabalhando como professor estadual, Raul Marcelo foi eleito vereador em 2000, quando tinha 21 anos, como o candidato mais jovem a ingressar na Câmara de Sorocaba. Em 2004, voltou a ser eleito o vereador mais votado naquele ano e, em 2006, foi elevado a deputado estadual aos 27 anos, um dos mais jovens da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). Foi eleito deputado estadual novamente em 2014, mandato que segue cumprindo.
Esta é a terceira eleição em que Raul concorre a prefeito de Sorocaba. Em 2008, recebeu 7% dos votos; já nas eleições municipais de 2012, recebeu 15% dos votos, sendo o terceiro candidato mais votado daquele pleito. Neste ano, o candidato do PSOL está em segundo lugar na pesquisa IBOPE/TV TEM, divulgada no último dia 15 de setembro – mesmo dia em que ele concedeu entrevista ao DIÁRIO -, com 23% dos votos.
DIÁRIO DE SOROCABA - Ao longo da sua trajetória política, você sempre se manteve distante das demais lideranças partidárias da cidade e também do poder econômico. Esse sempre foi sua característica e a característica do seu partido. Indo para o segundo turno, você aceitaria o apoio das outras lideranças políticas e dos outros partidos também?
CANDIDATO - É um cenário que ainda vai se abrir. A gente tem de ter a humildade em dizer que estamos no segundo turno. Temos de lutar bastante e estamos sem tempo na televisão, com 18 segundos. Praticamente, fui banido da televisão. Esse é o efeito Eduardo Cunha (PMDB), porque a reforma eleitoral vinha para democratizar mais, para promover uma inovação maior na política brasileira, e ele pôs a mão e os partidos mais novos e os que têm menos deputados na Câmara ficaram praticamente fora do horário eleitoral. Isso impactou bastante. Então, temos muita luta no primeiro turno, mas é claro que num segundo turno vamos abrir o diálogo sim, e o interesse é ir e vencer as eleições. Mas uma coisa de cada vez; primeiro, vamos garantir nossa ida para o segundo turno, e tem muita gente que não sabe que sou candidato em Sorocaba por causa dessa dificuldade do tempo de televisão, mas, quando esse momento chegar, vamos abrir o diálogo sim, com lideranças partidárias e também lideranças sociais, que já me adiantaram que têm um prazer imenso em me apoiar no segundo turno. Então, vamos apostar nisso, mas com muito critério, porque uma preocupação grande dessas coligações é que, infelizmente, os partidos políticos do Brasil - a grande maioria – não são criados por conta de um projeto nacional, por conta de uma visão de Estado, mas, sim, para receber o Fundo Partidário e para negociar estruturas, quinhões no Estado brasileiro. Então, eles querem uma secretaria, cargos na Prefeitura e no Estado. Nós (PSOL), que saímos sozinhos, preservamos essa possibilidade de fazer uma administração com perfil mais técnico, o que é muito importante; os que vierem, vão estar nesta dimensão, porque não vamos fazer loteamento de cargos da Prefeitura e secretarias, pois isso, que pode parecer bacana num primeiro momento, num segundo momento, você inviabiliza a gestão com umas emendarias e fica sem capacidade administrativa, sem capacidade de diálogo, em que as pessoas estão ali sem estarem capacitadas para estar ali. Essa é uma preocupação muito grande que a gente tem.
Qual o principal pilar
do seu governo?
O principal pilar é a primeira infância. Estamos chamando isso nosso programa “Sorocaba do Futuro”, porque, para viver no mundo moderno do conhecimento, existem pré-requisitos que a sociedade, às vezes, não se dá conta de que, por exemplo, a capacidade de concentração é enxergar ou ouvir, e não é. A concentração é assimilada em grande medida inspirada pelos pais. Por exemplo, filho que vê o pai lendo, quase todos os dias... Então, a primeira infância é muito importante, porque, além da concentração, a criatividade também entra nisso com casos de mãe que lê para o filho dormir. Isso não nasce com a gente, é transmitido em grande medida entre gestação e sete anos. O planejamento também, a pessoa pensa que precisa fazer um curso técnico para subir de cargo. Isso é um planejamento, pensar que o amanhã é sempre mais importante que o ontem. E tem a autodisciplina. O drama do Brasil é que temos uma parcela enorme da população, inclusive em Sorocaba, que não tem esses requisitos, porque, às vezes, a mãe tem uma gestação muito complicada, não tomou ácido fólico, passou fome, estava no ciclo de violência, era usuária de drogas. Você tem elementos familiares que são determinantes para que essa criança chegue aos tempos escolares já “levantada” e não ache que é a burra, porque não consegue aprender. Vamos quebrar esse ciclo de exclusão. Ano passado, foram nove mil gestantes em Sorocaba, dessas nove mil, cinco mil foram ao posto de saúde fazer o pré-natal. Hoje, a Prefeitura oferece três reuniões; nós vamos oferecer reuniões semanais com médico, assistente social e psicóloga. Quando essa mãe chegar à UBS para fazer o pré-natal e estiver usando drogas, a psicóloga vai perceber e vamos encaminhá-la para os CAPs, para fazer o tratamento; se a mãe estiver passando fome, a assistente social vai intervir e a Prefeitura vai fornecer os alimentos; se a mãe estiver desempregada, vamos encaminhá-la a parcerias com a Uniten, para um curso de requalificação profissional; se a mãe estiver num ciclo de violência, vamos utilizar a rede que ainda é pequena em Sorocaba, o CIM Mulher e o Serem, para quebrar o ciclo de violência. Então, feito isso, depois que a criança nascer, a ideia é um programa único de abertura de novas vagas em creches, que é um direito da criança e é fundamental para que ela possa seguir sua vida escolar. Nosso programa principal é o “Sorocaba do Futuro”, que vai resolver esse drama da primeira infância para que a criança chegue aos tempos escolares com esses requisitos.
Entre sua proposta na área de Saúde, você promete o retorno do atendimento das UPHs das 7 às 19 horas, o retorno do atendimento 24 horas no PA do São Guilherme e do atendimento adulto e infantil nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPH) das Zonas Norte e Oeste. A administração atual justifica que esses cortes foram causados pela queda da arrecadação municipal e da crise. De que forma seu governo pretende viabilizar o retorno desses atendimentos?
Nosso programa está elaborado dentro da realidade nacional de crise, que é um ambiente em que as finanças da Prefeitura pararam de crescer como cresciam antigamente. É importante lembrar que Sorocaba chegou a crescer a 6% ao ano, um crescimento chinês. O que tivemos nos últimos três anos foi um freio na arrecadação, no entanto, nesse período do atual governo, a arrecadação cresceu acima da inflação, 10% acima da inflação, e no último semestre que a crise agonizou, a arrecadação acompanhou a inflação. O que aconteceu na verdade com a Prefeitura – eu acompanho o Tribunal de Contas, que é um órgão que assessora a Assembleia – é que ela errou no planejamento ou nem fez, porque fizeram uma estimativa de crescimento de R$ 100 milhões num ambiente de crise. Era claro que isso não iria acontecer e eles agora dizem que está caindo a arrecadação. Mas, na verdade, não está caindo, nosso crescimento está acompanhando a inflação, só não está crescendo como naquele período. Eles fizeram uma coisa profundamente equivocada, como foi o que já aconteceu uma vez com o “Sorocaba Total”, em que emprestaram dinheiro em dólar e hoje estamos pagando duas, três vezes mais. Já não é de hoje que a Administração Municipal de Sorocaba tem errado na área de planejamento. Então, existem os recursos. A capacidade de investimento da Prefeitura é em torno R$ 90 milhões para bancar os serviços essenciais. O que tiver de cortar, vamos cortar em outras áreas, mas as áreas sociais são sagradas. Na área da saúde, eles fecharam os postos às 17 horas e as pessoas trabalham até esse horário. Como é que um cidadão que trabalha vai chegar do trabalho às 17h30, às 17h40 para a UBS? Não vai! Esses dias, uma menina do George Oetterer morreu. Eles tiraram o atendimento adulto da zona oeste e o infantil da zona norte, que antigamente funcionava nos dois e eles mudaram isso, que aumentou o deslocamento das pessoas. O PA do São Guilherme não é 24 horas, só funciona meio período. Então, são questões de fácil resolução, o custo é baixo e é por isso que estamos nos comprometendo em resolver isso aí, e a Prefeitura tem recurso. Exemplo disso é que nós estamos gastando R$ 2 milhões por ano para arquivar papel em um galpão na Nogueira Padilha. Vamos digitalizar isso com cinco servidores e parar de pagar R$ 2 milhões de aluguel. Tem o gasto com asfalto, que é de R$ 17 milhões. Então, existem os recursos para que a gente não penalize a população que precisa, sobretudo o usuário do SUS. Eles precisam funcionar e funcionar bem.
Sendo eleito e seu partido elegendo poucos vereadores na
Câmara, como é que você vai fazer para garantir a governabilidade?
Eu fiquei seis anos na Câmara Municipal, deputado de segundo mandato, e a gente conhece como o Parlamento funciona bem. Vamos manter uma relação republicana com a Câmara Municipal. Nós vamos, provavelmente, fazer uma bancada de vereadores do PSOL, mas isso não será suficiente, porque vamos ter de dialogar com os outros partidos e dialogar em cima dos nossos projetos. Não vai ter fura-fila no meu governo, porque não é republicano esse negócio de vereador furar fila do SUS para indicar uma pessoa que apoiou ele na campanha. Então, vai ser uma relação republicana, a Câmara vai fiscalizar, que é o papel dela, e propor leis. Aquelas leis que forem de interesse público, vamos sancionar, e as que não forem, não vamos sancionar. Para fazer o orçamento, vamos consultar a população sob a nova legislação orçamentária; então, acho muito difícil a Câmara fazer algum tipo de resistência, e se for resistência objetivando o interesse público, nós vamos ceder, com certeza, mas, se for resistência objetivando interesses particulares, não vamos admitir, porque nossa campanha, nosso governo, é respeito ao interesse público. É mais ou menos por aí que vamos caminhar, com uma relação de respeito absoluto muito importante, porque o prefeito não pode desrespeitar nenhum tipo de instituição na cidade, coisa que infelizmente tem acontecido muito. Temos um candidato que já chamou de bêbado um representante do Ministério Público de Sorocaba. Então, é uma questão muito grave em uma Região Metropolitana com mais de dois milhões de habitantes, e nós temos de respeitar a Câmara e o Judiciário.
Uma das suas principais propostas para a área de transporte é o passe livre para estudantes e a ampliação do transporte coletivo para 24 horas e a retomada do programa Sabe Tudo. A questão do passe livre é discutida por prefeituras em várias cidades. Como você pretende viabilizá-la?
Isso aí está dentro das propostas do “Sorocaba da Liberdade”, porque hoje, infelizmente, uma parcela muito grande da nossa juventude, que são filhos de trabalhadores desempregados, não pode sair e usufruir dos equipamentos públicos que a cidade tem, como parques, praças, museus, teatro e a Fundec. Pegamos centenas de casos pelas ruas de jovens que faziam Ensino Técnico e abandonaram, porque não tinham condições de custear o transporte, e isso é um absurdo! Várias cidades estão discutindo isso e São Paulo tem o passe livre para 400 mil estudantes. O governador do Estado sancionou a lei do passe livre intermunicipal em São Paulo, em que 620 mil estudantes podem andar de graça de uma cidade a outra no nosso Estado, e nós achamos que chegou a hora da cidade de Sorocaba, de debruçar em cima deste programa. Vamos implantar primeiramente com jovens em estado de vulnerabilidade social, que estão nos programas sociais, os mais carentes e filhos de desempregados; depois, a ideia é cobrir até conseguir universalizar. Hoje, a Prefeitura já subsidia o sistema de transporte com a tarifa de estudante de R$ 1,50, e isso já é uma medida importante, mas a ideia nossa é aprofundar. Eu, que sou mestrando em Economia, acredito que temos de ter uma visão global. As famílias que vão utilizar esse recurso, não vão botar esse dinheiro embaixo do colchão; eles vão comprar no comércio, vai comprar alimento, roupa... Então, esse dinheiro de uma forma ele volta para a Prefeitura, seja pelo ISS que entra ou pelo ICMS, contraparte nossa. A visão que temos é mais abrangente. Em São Paulo foi sucesso e o governo do Estado também implantou com sucesso absoluto, e nós achamos que chegou a hora de Sorocaba implantar um programa deste. O programa vai começar com R$ 5 milhões, o que está completamente dentro do nosso orçamento e com um impacto bem superdimensionado, e a ideia é de que, até o final do quarto ano de governo, esteja em torno de R$ 15 milhões o subsídio da Prefeitura sem aumentar a tarifa.
Como você pretende, em meio à crise e desemprego,
governar Sorocaba pelos próximos quatro anos?
Nosso programa tem cinco eixos, “Sorocaba do Futuro”, que é a questão da primeira infância; “Sorocaba do Desenvolvimento”, que é a questão de empregos e de atrair novos investimentos para Sorocaba, usando o Parque Tecnológico para isso; “Sorocaba dos Direitos”, que é para defender que os serviços públicos continuem funcionando; “Sorocaba da Liberdade”, que é a questão da mobilidade urbana, passe livre, ciclovia, anel viário; e por último é o “Sorocaba da Ciência”, que vai integrar a Prefeitura as nossas cinco universidades. Vamos utilizar muitas parcerias para baratear as políticas públicas e errar menos, porque as universidades têm o conhecimento, têm a capacidade, têm a experiência e pesquisadores, e porque nossas propostas estão encaixadas dentro do ambiente de crise.
Professor da Ufscar,
Gilberto Franca é vice do PSOL
Para vice-prefeito, o nome escolhido pelo PSOL para assumir a administração da Prefeitura de Sorocaba junto de Raul Marcelo é o geógrafo e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), Gilberto Cunha Franca. Natural do Paraná, Franca é casado e tem 45 anos. Sendo dos fundadores da Rede Emancipa em São Paulo, Franca defendeu em sua tese de doutorado uma abordagem da proposta de reorganização escolar proposta pelo governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, no final do ano passado, que, após inúmeros protestos e ocupações escolas, foi revogada.
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