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PERFIL: Jaqueline Coutinho - Livro "A Mulher e a Política: Relatos femininos sobre o poder&quot

  • Foto do escritor: maaatheusgomes
    maaatheusgomes
  • 20 de dez. de 2016
  • 9 min de leitura

A atarefada agenda de Jaqueline Lilian Barcelos Coutinho já não é mais a mesma desde que decidiu em enveredar no meio político após mais de 27 anos servindo á população de Sorocaba e Região como delegada de polícia. Se antes ela dedicava horas de seu dia aos compromissos da Delegacia Seccional da cidade, agora a delegada dedica seu tempo transitando entre os processos criminais e a elaboração de um plano de governo ao lado de José Antonio Caldini Crespo (DEM), prefeito eleito na cidade nas eleições municipais no segundo turno de 2016. Filiada ao PTB, Jaqueline será a terceira vice-prefeita na história da Sorocaba.

A entrevista inclusive precisou ser adiada com o repórter no local marcado já que aconteceu na semana posterior à vitória da coligação de 13 partidos “Renasce Sorocaba” ante a candidatura do deputado estadual Raul Marcelo (PSOL). Crespo obteve 58,48% dos votos válidos em um segundo turno acirrado e marcado por troca de acusações entre ambas as chapas. O acesso para a então vice-prefeita eleita ficou ainda mais difícil porque, além da rodada de entrevistas que ambos deram durante a semana pós-vitória, Jaqueline acabara de reassumir o cargo de delegada, posto do qual teve de se descompatibilizar durante a campanha, como manda a Justiça Eleitoral, e cujas tarefas pretendia cumprir até o último dia de 2016, além de estar trabalhando ativamente ao lado de Crespo na escolha dos nomes que fariam parte do secretariado e da equipe de transição do governo do tucano Antonio Carlos Pannunzio (PSDB) para o do democrata.

Foi inclusive também um momento de transição que fez Jaqueline Coutinho decidir se enveredar pela política. Após 27 anos como delegada de polícia, além de mais quatro anos e oito meses em que atuou como oficial de justiça, ela já se preparava para me aposentar, um processo que própria admitia estar sendo difícil. “Embora eu tenha muito além do tempo de contribuição, eu ainda não tenho a idade para se aposentar de acordo com a visão do governo do Estado de São Paulo”, explica Jaqueline, que foi aprovada em concurso público aos 18 anos como oficial de justiça e aguarda o parecer do Judiciário em segunda instância.

Apesar de ter tido sua candidatura de vice-prefeita oficializada só em agosto de 2016, o nome de Jaqueline já circulava pela imprensa como possível vice da chapa do PMDB, liderada pelo ex-prefeito de Sorocaba Renato Amary. Entretanto, tudo mudou quando Amary anunciou no final de julho a retirada de sua pré-candidatura, alegando que, caso a registrasse, sofreria uma série de impugnações por ter processos ainda não julgados pela Justiça Eleitoral, dando lugar a Crespo e Jaqueline. “Fiquei surpresa com o convite, justamente por nunca ter participado da política, mas com a minha aposentadoria iminente, eu achei que seria um novo desafio e eu sou uma pessoa que gosta de desafios. Embora policial eu sempre gostei de trabalhar junto à comunidade”, conta a delegada, que, ao longo da sua carreira na Polícia, atuou na Delegacia da Mulher de Itapetininga, Fernandópolis e Sorocaba, na Delegacia do Idoso e no Núcleo Especial Criminal (Necrim).

A inexperiência política de Jaqueline se mostra evidente ao passo que ela relata que só conheceu Crespo para valer mesmo durante a campanha. “Eu havia conversado com ele por duas vezes apenas: Uma em uma palestra em uma escola e depois em uma visita que ele fez ao 5º Distrito, do qual eu era titular, no começo de 2015”, explica a vice eleita, que, no entanto - e como é de se esperar -, rasgou elogios ao democrata e à sua atuação na política. Definiu Crespo como “combativo” e “proativo” ao se referir ao seu trabalho de 8 anos como vereador da cidade que governará a partir de janeiro de 2017.

Se a figura do vice tende a ser coadjuvante dentro de uma campanha política, Jaqueline fugiu plenamente a essa regra e buscou protagonismo durante toda a corrida eleitoral. Participava da elaboração de campanha, esteve ao lado de Crespo nas principais carreatas na cidade e durante o programa veiculado na TV - o mais longo do primeiro turno -, dividiu quase que igualmente o espaço na tela com o candidato a prefeito e falou no mesmo tom dos outros quatro candidatos a vice-prefeito em um debate realizado pelo jornal Cruzeiro do Sul exclusivamente com os postulantes a esse cargo. Ela afirma que essa exposição não foi solicitação sua. “Não foi acordado e fluiu naturalmente. Acho que aconteceu em boa parte por causa da personalidade do candidato e a minha também, decidimos juntos que a vice dividiria as falas durante a campanha e que não seria uma peça figurativa”, explica.

Para ela, a política brasileira nada mais faz do que repetir o machismo presente na sociedade. “Por mais que a gente tenha avançado muito, conquistado muito, nós mulheres ainda temos muito desafios que temos que superar. Um deles é na política”, defende Jaqueline, que considera revoltante ser necessária uma cota de candidaturas femininas para eleições. “Tem que ter uma previsão legal para termos nossa participação garantida”, reclama.

Embora essa política tenha sido um importante passo, ainda há um contrassenso matemático gritante que revela uma incoerência na nossa sociedade. Embora sejam maioria numérica entre os eleitores do País, ainda é baixíssimo o número de mulheres que ocupam cargos públicos. Jaqueline credita essa triste realidade às próprias mulheres. “Elas acham que o meio político não é um meio para as mulheres, então acabam não se articulando, não se engajando e vêm aquelas discussões: ‘puxa vida, faltam políticas públicas para as mulheres’, ‘faltam ações voltadas a várias áreas concernentes ao público feminino’, mas a mulher, se estiver presente na política vai poder não trabalhar só para a mulher, mas ela dentro da política vai estabelecer ações voltadas ao segmento feminino”.

Jaqueline exemplifica essa falta de interesse feminino pela política com a própria reação que recebeu de colegas de trabalho, amigos e familiares, quando anunciou sua candidatura. “Muitas vezes eu ouvi durante a campanha uma manifestação muito uníssona no sentido de: ‘Por que você foi se meter em política?’, ‘Por que você se enveredou neste caminho?’ ‘Ah não, eu, mulher, jamais iria para esse caminho!”. Veja bem, se a mulher recusa a política achando que não é um ambiente para ela, não é um meio adequado para ela, na realidade ela está negando sua participação política. Por que? Eu realmente não entendo. Não sei se existe um certo medo desse meio político por causa dessa crise ético-política que temos hoje, mas isso depende da postura de cada um”, defende.

Jaqueline acredita que, além das dificuldades encontradas em todos os âmbitos em que a mulher está, ainda há dificuldade que elas enfrentam na sua vida social. Separada há oito anos, ela conta que sofreu pressões da família quando decidiu encerrar seu casamento. “Meu pai teve bastante dificuldade em aceitar porque ele vem de uma época, uma sociedade, que há anos atrás era mais machista e acha que a mulher não deve se separar, que deve suportar tudo no casamento para manter o elo familiar ainda que ela perca a sua individualidade, ainda que ela esteja aleijada de sua vontade de mudar”, conta a vice-prefeita, que atrela isso ao que chama de “ranço patriarcalista”.

De personalidade forte, ela conta nunca ter sofrido nenhum tipo de preconceito de gênero durante seus mais de 30 anos em que serviu à justiça como oficial ou delegada. “Eu nunca me coloquei aquém do delegado homem. Eu como delegada sempre me achei tão competente, tão capaz, tão operacional quanto e nunca admiti que me colocassem ou me excluíssem por ser uma profissional mulher que não estaria no nível do homem”, conta Jaqueline. No entanto, ela reconhece que nem todas as mulheres têm a satisfação de viver isentas a isso no ambiente de trabalho ou mesmo em casa, em que muitas vezes, o machismo chega a seu extremo e se torna misoginia.

Além de ter essa consciência, a experiência como titular da Delegacia da Mulher de três cidades do interior paulista a fez entender que o poder público precisa dedicar mais ações a elas. Por isso, durante a campanha, em especial no horário eleitoral gratuito no rádio e na TV, Jaqueline defendeu pessoalmente a proposta a criação de um aplicativo de botão do pânico da lei Maria da Penha: pelo celular, mulheres vítimas de violência doméstica que conseguiram judicialmente a medida protetiva contra seus agressores poderiam acionar e fazer contato direto com a Guarda Municipal em caso de ocorrências envolvendo esses homens. “O ideal era que tivéssemos mais mulheres atuando no meio político para a gente reforçar essa ação político-social e trabalharmos a favor delas”, defende a vice-prefeita, que acredita que o impacto das mulheres na política ajudaria a ampliar a participação feminina em todas as áreas, como esporte, cultura e geração de empregos.

Questionada se acredita que houve machismo em algum momento em todo o processo que culminou no impeachment da ex-presidente da República Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016, Jaqueline defende que ele foi baseado puramente numa conjuntura econômica, política e social. “O Brasil estava em franco retrocesso em todas as searas, quando o que era exposto pela mídia era uma realidade econômica em que nós tínhamos um desemprego da ordem de 12 milhões de pessoas, uma dívida pública que em dezembro deste ano chegará em torno de R$ 3 trilhões, uma escassez, uma diminuição muito grande nos investimentos e na confiança dos investidores externos e internos”, disserta a vice eleita.

Entretanto, o discurso muda após ela ser confrontada com algumas situações que se desenrolaram ao longo do processo, como a confecção e comercialização de um adesivo que Dilma de pernas abertas que era colado na entrada do tanque de gasolina de veículos dando a ideia de que a então presidente seria penetrada pela mangueira de combustível – isso aconteceu em julho de 2015 “em protesto” pelos gradativos aumentos de preços da gasolina. “Nisso eu concordo que há um recalque machista pois usaram a imagem da presidente em uma situação demeritória e desprestigiante por conta de ela ser mulher”, pondera Jaqueline, que lembra que chegou a se pronunciar no Facebook em defesa da presidente após ver uma série de ofensa direcionadas a ela. “Eu me manifestei porque eu acredito que qualquer pessoa, homem ou mulher, que ocupe cargo público, tem que ter obviamente, por questão de hierarquia social, esse respeito, assim como qualquer cidadão.”

Já quanto a falta de mulheres na composição ministerial do governo de Michel Temer (PMDB), Jaqueline se diz prática ao defender que o presidente, naquele momento, não tenha vislumbrado uma mulher que pudesse ocupar alguma pasta. “Eu, enquanto delegada, quando eu vou escolher pessoas que vão ocupar postos em uma equipe, não vejo se é homem ou mulher. Vejo se a pessoa tem capacidade e comprometimento para desempenhar aquela função”, afirma. Mas ela defende que a mulher é mais assertiva na hora de desempenhar funções políticas.

Apesar do trauma político e social que o impeachment tenha dado ao destituir a primeira mulher eleita presidente do Brasil, Jaqueline não acredita que este fato possa prejudicar futuras candidaturas femininas. “Eu acredito que nós, mulheres que estamos na política e os próprios homens que têm uma visão ampla da política, em prol da coletividade, temos que incentivar isso. Eu, você pode ter certeza, vou ser uma das maiores incentivadoras da participação feminina na política. Nesses quatro anos de mandatos eu quero participar de movimentos políticos que visem, independentemente de partido, dimensionar a ação da mulher na política.”

Jaqueline Coutinho foi uma das milhares de pessoas que se sentiram incomodada ao ler a reportagem “Bela, recatada e do lar”, da revista Veja, que trazia um perfil da primeira-dama Marcela Temer, extremamente romantizado e com um forte viés machista ao exaltar a estilo de vida mais conservador. “Jamais falariam para um marido de uma política que ele era ‘belo, recatado e do lar’”, protesta a vice-prefeita que, no entanto, contextualiza o texto a uma impressão machista à mulher do presidente, mas que não mira diretamente a política. “Qualquer mulher que tenha sido tachada como ‘bela, recatada e do lar’ seria, na minha opinião, um crivo machista que ela deve refutar e não admitir.”

Para Jaqueline, mesmo longe da esfera política, esses “ranços machistas” se mostram presentes em inúmeras áreas e segmentos da sociedade, onde se propaga pelos meios de comunicação. “A própria televisão e as propagandas, eu observo a objetificação da mulher, mas quem pode acabar com isso é a própria mulher”, aposta a delegada, que vê a mulher como próprio agente de mudança para esta situação. “É o que eu sempre digo: não adianta Lei Maria da Penha e Delegacia da Mulher se a mulher não tem uma postura efetiva para romper com o ciclo de violência e para deixar de ser aleijada de seus direitos pelo simples fato de ser mulher”, afirma a vice-prefeita.

Questionada se era feminista, Jaqueline primeiro explicou seus motivos para não se ligar diretamente ao movimento. “Eu me considero totalmente pró-cidadania, masculina e feminina, e não acho que a mulher deva ser mais do que os homens. Eu acho que ela deve ser absolutamente igual ao homem em termos de direitos e deveres. Se o feminismo for neste sentido, de equiparar direitos e deveres - não só direitos mas deveres também - eu acho válido e assim me considero feminista”, diz. Para ela, a educação e a cultura são meios de ajudar a equiparação dos gêneros. “É importante que nós, dentro da administração pública, tenhamos essa ótica do não sexismo, da não preterição da mulher pelo fato de ser mulher. Quem sabe comigo isso possa ser implementado.”


 
 
 

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