Nome nos créditos - Jornal Expresso
- maaatheusgomes
- 9 de jan. de 2017
- 7 min de leitura

Debaixo de sol e chuva, sem remuneração e em semana de provas, alunos da FCAD mostram competência e profissionalismo nas gravações de filme de Paulo Betti
“Como você consegue correr o tempo inteiro e ainda sorrir?”, questionou uma figurante à estudante de Moda Érica Karena, 21 anos, no seu primeiro dia de gravação. A resposta um pouco óbvia de que “quando se faz o que gosta, o cansaço não aparece” poderia facilmente ser superficial após uma rotina quase dez horas de trabalho na região central de Sorocaba, mas, para Erica, não havia nada inconsistente na sua réplica. Seu sorriso extasiado era quase um anestesiante para qualquer canseira que pudesse aparecer durante o trabalho. “Mesmo correndo para todos os lados, com os sapatos machucando e o corpo pedindo para que desse uma pausa, a vontade de estar ali me manteve em pé”, conta.
Érica esteve entre os 16 estagiários da Faculdade de Comunicação, Artes e Design (FCAD) que trabalharam na produção do filme A Fera na Selva, dirigido e estrelado pelo ator Paulo Betti, que deve estrear em 2016. O longa é baseado na obra homônima do escritor norte-americano Henry James e narra a história de um homem que vive na esperança de presenciar, em algum momento de sua vida, algum acontecimento extraordinário, sem enxergar as pequenas maravilhas de cada dia no seu cotidiano.
Filmado em quatro semanas, o filme teve como cenário, além do campus V do Ceunsp, onde está a FCAD, em Salto, e outras locações na região de Sorocaba, a cidade natal do ator e diretor. Entre elas, a Represa de Itupararanga, em Votorantim; a Floresta Nacional de Ipanema, em Iperó; a Estação Ferroviária, a Fundec, o Teatro do Sesi, a agência dos Correios em Sorocaba, além de ruas centrais da cidade também serviram de cenário para a produção.
O longa também marca o retorno da parceria profissional de Betti com sua ex-mulher Eliane Giardini – eles já tinham apresentado o texto no teatro há 20 anos e agora traduzem a novela de Henry James para o linguagem do cinema.
No Ceunsp, as gravações duraram cerca de uma semana e, além dos estagiários na produção, reuniram dezenas de alunos, professores e funcionários da faculdade atuando como figurantes. Em ritmo intenso, as rotinas de filmagem foram desafiadoras para toda a equipe do filme, que enfrentaram dias de calor e chuva.
Trabalhando no figurino, Érica botou uniu seus quase dois anos de faculdade de moda ao amor pelo cinema. Fã do figurinista brasileiro Mauricio Carneiro, que já desenhou croquis para filmes como Harry Potter e O Auto da Compadecida, a estudante viu no árduo trabalho no longa a realização de um desejo pessoal. “Quando me perguntavam por que resolvi fazer moda, a única coisa que me vinha a mente eram os incríveis figurinos dos filmes”, conta.
Muito mais que uma realização, participar do filme foi uma forma mais que efetiva de aprendizado que, acima de tudo, acentuou ainda mais o desejo profissional da estudante. “Conheci profissionais incríveis que me contaram sobre a profissão, me explicaram o que não sabia e me fizeram ver o quanto eu me encaixo nesse mundo”, agradece a estudante, que sonha: “Quem sabe lá na frente não possa ser eu quem vai estar ali ensinando a uma estudante como funciona o mundo do figurino?”

Érica Karena e Eliane Giardini
Acompanhar o itinerário das gravações que percorreram várias cidades foi um desafio e tanto para o estudante de Cinema Giovani Beloto, 22 anos. Estagiário na equipe de som do filme, Beloto preciso abandonar sua cidade, Tietê, por alguns dias e passou a morar em Sorocaba na casa de amigos para seguir o intenso cronograma de filmagens.
Beloto conta que abusou de café e energético para aguentar as intensas gravações durante o dia, além das aulas à noite na faculdade. “O grande desafio mesmo foi me acostumar com a rotina, são quase 11 horas de trabalho todo dia e isso sempre mudava: às vezes de dia, às vezes à noite”, conta o estudante, que, apesar da dificuldade diante da maratona cinematográfica, conseguiu tirar de letra o processo e ainda brinca: “Acabei me adaptando, hoje até sinto falta.“
O também aluno de Cinema Bira Barreto, de 32 anos, já esperava que o ritmo das gravações fosse cansativo, mas nada se comparado ao que ele vivenciou. Contratado como estagiário em plato (responsável pela organização dos cenários e equipe, material técnico etc), Bira foi uma espécie de coringa nas filmagens e teve um trabalho que lhe tirou boas horas de sono. “Eu acordava muitas vezes às 3h da manhã pois era responsável pelos caminhões com os equipamento, e ia dormir por volta da meia-noite. A rotina era sim cansativa”, conta.

Bira Barreto e Paulo Betti
Mesmo com a insônia causada pelo dia a dia das gravações, a fala de Bira sobre o trabalho no filme é cheia de orgulho. “Foi algo único, pois estagiar em um filme é uma oportunidade que jamais teria se não fosse esta”, conta o estudante.
Uma experiência que ele guarda com carinho foi um bate-papo com Paulo Betti ao fim de um dia de gravação. “Fui levar o Paulo para o hotel quando ele me perguntou se eu podia passar numa padaria porque ele estava com fome e queria comer algo. Disse que não tinha problema algum e paramos na Padaria Real”, relata o estudante.
Ambos sorocabanos e, coincidentemente criados numa mesma região da cidade, Bira conta que eles conversaram muito sobre a infância de ambos no interior, além de, claro, cinema nacional. “Fomos ao caixa e, na hora que fui pagar, ele praticamente pegou da minha mão a comanda e pagou, mesmo com eu dizendo que iria pagar a minha. Ele fingiu que não ouviu”, se gaba o estagiário que era responsável, entre tantas outras coisas, por transportar os atores entre os cenários de gravação.
Quando perguntados sobre como driblaram o cansaço das intensas gravações do filme, ambos os estudantes de Cinema, embora entrevistados separadamente, responderam da mesma forma: “Não driblava”. Só no Ceunsp, as filmagens chegaram a bater onze horas de trabalho, fazendo com que a produção do longa começasse atarde e só terminasse de madrugada, além coincidirem com a semana de provas na faculdade.
“Os estudantes que estagiaram provaram seu valor”
Planejado desde 2013, o longa escolheu como cenário as cidades do interior de São Paulo, como Sorocaba e Salto, devido à arquitetura inglesa típica das empresas de tecelagem da região.
O primeiro contato com da produção do filme com Ceunsp foi em maio deste ano entre o produtor Gilberg Antunes e seu amigo pessoal, o professor e jornalista Pedro Courbassier. As negociações avançaram com a coordenadora do curso de Cinema, Fernanda Cobo, no mês seguinte. No final de julho o diretor da FCAD, Edson Cortez, começava a acertar os detalhes para não só a contratação de alunos da faculdade como estagiários mas também a utilização do próprio campus como cenário do filme.
Cortez conta que a parceria entre a faculdade e a produção surgiu do idealismo do diretor Paulo Betti em rodar o longa na região onde nasceu e cresceu e da boa fama do curso de Cinema da FCAD. “Foram vários contatos e reuniões, onde apresentamos nossa estrutura e estudantes, demonstrando como poderíamos contribuir para o filme ficar fantástico. O Paulo Betti e sua equipe ficaram encantados”, afirma o diretor.
Para um filme de baixo orçamento, a justificativa de contratar estagiários pode se resumir exclusivamente na questão econômica, mas para Gilberg, diretor de conteúdo da Batuta Filmes, produtora do filme, trata-se de cumprir uma promessa antiga que fizera a si mesmo há uns anos atrás.
Quando era ainda estudante de Cinema, em Curitiba, ele precisou insistir muito para conseguir uma vaga na produção do filme Oriundi, de Ricardo Bravo, que coincidentemente também tinha no elenco o ator Paulo Betti. “Para mim o mais importante era ter a possibilidade de vivenciar o set de filmagem de um longa-metragem”, conta o produtor que acabou sendo contratado pela equipe do filme sem qualquer tipo de remuneração. “Naquela ocasião fiz uma promessa de sempre convidar alunos de Cinema e outras disciplinas, como Moda e Fotografia, a participar de todas as minhas produções, para terem a possibilidade de ter esse conhecimento prático vital na formação de um bom profissional.”
O trabalho dos estudantes foi acompanhado pelos diretores de departamento, como arte, fotografia e som – que passavam as orientações para os estagiários ao longo das gravações. “A troca de experiências acontecia da explicação de cada atividade desenvolvida até a orientação posterior, quando a correria do dia a dia do set não permitia um acompanhamento maior”, explica Antunes.
Nenhum dos estudantes contratados pela produção recebeu remuneração pelo trabalho exercido no filme. O maior ganho dos alunos da FCAD foi a experiência. “Essa troca foi o grande tesouro herdado tanto para os estagiários como também para os profissionais, que elogiaram e muito esta bem sucedida parceria entre a produção e o CEUNSP”, elogia Antunes.
Para Cortez, os bons resultados dos estudantes que estagiaram são motivo de orgulho. O diretor vê que o trabalho desenvolvido pelo alunos na AECA (Agência Experimental de Comunicação e Artes) foi primordial para a elogiável performance nas gravações. “Os estudantes que estagiaram provaram seu valor, fizeram um trabalho incrível, profissional! Foram elogiados demais por toda equipe de filme por sua competência e profissionalismo.”
24 anos depois, o primeiro filme
Fazer cinema sempre foi um sonho para Gilberg Antunes, que chegou a pedir demissão da empresa metalúrgica em que trabalhava para fundar uma produtora em Sorocaba junto com seu amigo Alexandre Miliani, no início da década de 90. A inexperiência deles, somada à falta de um mercado aquecido, foi crucial para que a Vidcom fechasse as portas pouco tempo depois. “O Miliani foi trabalhar no SBT e eu abri uma vídeolocadora que durou até 1998, ano em que fui estudar cinema em Curitiba”, conta Antunes.
Em 2013, depois de 13 anos trabalhando na TV TEM, afiliada da Rede Globo em Sorocaba, Antunes aceitou a proposta do amigo em se tornar sócio de sua produtora, Quantika Filmes, que com a entrada do produtor passou a se chamar Batuta Filmes.
A Fera na Selva é o primeiro filme da produtora em parceria com a carioca Prole de Adão. Acostumada com produção de comerciais e séries para TV e internet, a empresa já tem 11 anos de mercado.
Lançar um longa agora, 24 anos após sua primeira tentativa de produzir cinema, é uma realização de um sonho para Antunes. “Por isso aconselho as pessoas nunca desistir do seu sonho e, lógico, estudar sempre.”
Texto da terceira edição do jornal-laboratório Expresso, que você pode conferir acessando o link: https://issuu.com/jornalexpressofcad/docs/jornal_expresso_3a_edicao
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