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PERFIL: Raquel Paiva - Livro "A Mulher e a Política: Relatos femininos sobre o poder"

  • Foto do escritor: maaatheusgomes
    maaatheusgomes
  • 20 de dez. de 2016
  • 5 min de leitura

Os “ranços machistas”, como definiu a delegada e vice-prefeita eleita de Sorocaba, Jaqueline Coutinho, estão definitivamente presentes em todas as camadas da sociedade, inclusive na própria mídia, interlocutora oficial de toda atividade política desenvolvida no mundo para a população. Para avaliar se a imprensa não era também responsável por reproduzir esse machismo presente em toda a sociedade, a jornalista Raquel Paiva, pesquisadora e coordenadora do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LECC) da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO/UFRJ), aplicou em 2006 uma detalhada pesquisa nos dois dos maiores jornais de circulação do País, O Globo e Folha de S.Paulo, para descobrir a forma como a imprensa retratava as mulheres envolvidas com a política.

Com foco no processo eleitoral daquele ano e embasada numa rigorosa pesquisa quantitativa e qualitativa de todo o material produzido por esses dois jornais ao longo de um ano, Raquel e os estudantes da ECO produziram o primeiro grande estudo brasileiro sobre as nuances na forma como a imprensa representou as mulheres que disputaram cargos legislativos e executivos nas eleições de 2006. O resultado deste minucioso trabalho deu origem ao livro Política: Palavra Feminina (editora Mauad X), que traz, além dos resultados dos estudos, uma série de entrevistas com mulheres que se destacaram na eleição que reelegeu Lula como presidente do Brasil, como Heloísa Helena (então no PSOL, hoje na Rede), Manuela D'Ávila (PC do B) e Denise Frossard (PPS).

Foi uma coluna do jornalista Ancelmo Gois em O Globo a respeito das mudanças de penteados da então governadora do Rio de Janeiro, Benedita da Silva (PT), em 2002, que intrigou e instigou Raquel Paiva a estudar melhor a cobertura midiática das mulheres que exercem ou pleiteiam cargos políticos. “Naquele momento, o Rio de Janeiro vivia uma crise muito grande, como continua até hoje, mas a preocupação, ao invés de falar das plataformas, das ações e do governo dela, era o cabelo. E tinha foto desde quando ela começou na vida pública até aqueles dias”, relembra Raquel, que, ao longo do livro, destrinchou colunas como a de Gois e Mônica Bergamo, na Folha, constatando os vícios machistas presentes nesses espaços.

Como a própria autora explica no livro, dentro da narrativa jornalística, o formato da coluna pode se dar ao luxo de maior flexibilidade na redação e nas temáticas e linha editorial mais leve. Entretanto, a discussão se faz necessária quando se compara que tais textos dificilmente abordam o visual de políticos homens. “Eu comecei a perceber que a cobertura jornalística era bastante diferente quando se tratava de mulheres. Ela tinha um enfoque muito maior sobre aspectos físicos da mulher, como a forma com que ela se vestia e como se comportava do que sobre a pauta política dela”, destaca a pesquisadora.

Uma das principais conclusões que o estudo de Raquel e seus alunos tiveram ao longo da pesquisa é que, ao menos na cobertura jornalística do processo eleitoral de 2006 - que tinha a então senadora Heloísa Helena, como principal candidata na corrida pela Presidência - não havia machismo explicitamente. “Constatamos que na cobertura jornalística mesmo, com raríssimas exceções, durante a campanha política as mulheres tinham o mesmo espaço, o tratamento era igual... A gente poderia fazer uma quantificação e dava tudo certinho, mas onde estava esse machismo? Nas colunas, do tipo Mônica Bergamo e o Ancelmo.”

Apesar destas colunas serem, nas palavras da autora, os “polos do machismo da sociedade brasileira”, a própria cobertura jornalística não estava isenta de reproduzir ou, no mínimo, explicitar essas nuances da representação feminina. “Eu tive recortes que citei no livro também da época quando uma diretora do FMI veio ao Brasil e daí, na página de economia de um jornal, não em uma coluna ou página assinada, a discussão era sobre o vestuário dela, que usava ainda ombreiras nas roupas e aquilo era coisa démodé”, recorda a pesquisadora, que destaca neste exemplo a forma como o machismo se manifesta na mídia, muitas vezes de forma não evidenciada. “E você não via e não vê até hoje nos jornais esse tipo de enfoque quando se trata de homens.”

Um dos conceitos que norteou Raquel Paiva e seus alunos para a elaboração da pesquisa que culminou no livro foi o do senso comum, que, para ela, é absorvido pela mídia na construção de seus produtos jornalísticos – tornando-a, assim, apenas mais uma engrenagem responsável pela “permanência de estruturas sociais em que o preconceito e a exclusão se consolidam como regra”. “Eu acho que ainda hoje a gente carece de uma ação, uma pesquisa mais ativa e com resultados mais definitivos que demonstre o quanto a mídia produz, gera e cria um senso comum”, clama a pesquisadora, que lamenta a falta de uma metodologia eficaz e acessível que permitisse uma análise crítica da produção da mídia. “Não temos ainda isso disseminado na sociedade brasileira e o que nós vemos hoje é quase uma profetização, uma concretização do ‘Grande Irmão’, de George Orwell”, diz, citando o personagem símbolo do romance distópico 1984, lançado na década de 40.

Dez anos se passaram desde a época em que a pesquisa de Raquel Paiva iniciou-se e, para a pesquisadora, infelizmente pouca coisa mudou. “A mulher, sim, está participando da política: vai lá votar e nós temos mulheres candidatas; mas eu acho que, diante de um cenário que a gente tem uma presidente que foi retirada do cargo sem ter um motivo, e que temos pela primeira vez uma candidata mulher no País mais influente econômica e politicamente no mundo, que são os Estados Unidos, a gente vê que, na verdade, a política ainda não é para mulher”, lamenta a jornalista, que aponta os próprios partidos como obstáculos enfrentados por essas mulheres na hora de pleitearem um cargo político. “O que a gente constata no cotidiano é que os partidos não conseguem cumprir aquele índice, aquela cota ridícula de candidatas mulheres. Quando põem, é uma candidatura 'fake', só para compor o número”, denuncia.

Raquel também chama atenção para a falta de uma pauta mais definida para as próprias mulheres que conseguem chegar ao poder, a fim de ampliar a participação feminina na política. “A presença da mulher na política ainda está afeita à cozinha. De uma maneira geral, ela aparece quando um partido precisa de números e se recorrem a elas”, explica. A polêmica escolha ministerial de Michel Temer (PMDB) que, na sua formação inicial, não tinha nenhuma mulher assumindo ministérios do governo até então interino do peemedebista, também é apontado pela pesquisadora como um recrudescimento deste machismo na política, além do próprio afastamento da primeira mulher eleita ao cargo mais importante do País. “Eu acho que o caso da presidente Dilma foi emblemático ao mostrar como o preconceito e o machismo estão presentes e fortes na política.”


 
 
 

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